O Próprio Veneno - Capítulo 3
Capítulo 3
Soohyun parou na loja de conveniência pra comprar mais cigarros antes de seguir para sua casa. Ao chegar, serviu-se de uma bebida, whisky puro e sem gelo, bebeu de um gole só e pensou que ainda não era suficiente. Talvez devesse tomar uma daquelas pílulas para dormir, receitadas pelo médico da família, ele não queria ter pesadelos.
É sabido que quanto mais tentamos não pensar em algo, mas esse pensamento se fixa em nossa mente, e nesse momento apesar de todo o esforço para apagar a última hora de sua vida, ele simplesmente não conseguia desligar seu cérebro das sensações que seu corpo insistia em manifestar.
Bebeu mais uma dose, acendeu outro cigarro e decidiu tomar um banho. Pelo espelho do banheiro ele enxergava sua aparência lamentável: lábios inchados, algumas marcas aleatórias pelo pescoço e pelo tórax. Outro lapso de seu pau, e dessa vez mais grave. Ele não havia bebido nada na festa, infelizmente. Teria sido fácil e reconfortante colocar a culpa no álcool, mas ele estava plenamente consciente de tudo que fez. Decidiu por fim que não ia desperdiçar nem mais um único neurônio pensando nisso, tomou uma pílula, se jogou na cama e adormeceu.
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Jaemin estava imerso na banheira. A água estava tão quente que encheu o banheiro de vapor e deixou sua pele avermelhada. Com uma esponja, ele esfregava seu corpo vigorosamente, como se isso fosse capaz de apagar as diversas marcas em sua pele pálida. Ele pensou em inúmeras justificativas para o que havia feito, mas nenhuma servia e ele chegou a conclusão de que talvez tivesse enlouquecido, embora não descartasse a possibilidade de um exame toxicológico posterior para ter certeza de que não havia sido drogado.
Soohyun não fazia seu tipo. Ele não era fofo ou delicado, como Daon. Soohyun era alto, tinha um rosto inegavelmente bonito, anguloso e másculo, e pra piorar ainda era levemente maior lá embaixo. Pensar nisso deixou Jaemin com raiva, mas também causou uma reação involuntária em seu baixo ventre.
Ele estava definitivamente louco ou drogado. Era melhor agendar logo uma consulta médica.
Apenas dois dias se passaram e Jaemin e Soohyun se encontraram na faculdade. O dia transcorreu tranquilamente, como se houvesse um acordo silencioso em fingir que nada havia acontecido. Eles assistiram aula, comeram junto com os outros colegas e nenhuma mudança no comportamento de ambos foi notada. No fim do dia, Jaemin notou que Soohyun não se dirigia ao estacionamento, como de costume.
“Não que eu me importe, mas onde está seu carro?”
“Coloquei pra lavar, os bancos precisavam ser limpos.”
“E como você pretende ir para casa?”
“Pedirei um táxi.”
“Não tem cabimento, eu levo você.”
“Não precisa se incomodar.”
“Não dou a mínima, mas teoricamente sou seu namorado, seria estranho não levá-lo.”
Sabendo que Jaemin tinha razão, Soohyun o acompanhou. Porém bastou essa simples menção ao carro de Soohyun, que havia sido o “local do crime” para deixar a atmosfera entre os dois um pouco estranha. Eles seguiram por todo o caminho em silêncio. E não era um silêncio do tipo que proporciona tranquilidade, era quase se o silêncio consumisse o oxigênio dentro do veículo, causando desconforto e ansiedade.
Ao chegar à casa de Soohyun, Jaemin quebrou o silêncio:
” Envie-me a conta da limpeza das suas roupas e do banco do carro.”
Soohyun saiu do carro, acendeu um cigarro e não olhou para trás.
Não houve mais menções ao assunto e suas vidas quase voltaram ao normal. Porém a cada dia que se passava, mais eles se tornavam conscientes da presença um do outro. As interações entre eles, antes sempre ensaiadas quase como se seguissem um roteiro, agora estavam carregadas de uma tensão diferente, algo que variava entre o incômodo e a apreensão. A troca de olhares era mais profunda, e cada toque milimetricamente planejado fazia com que o ar ao redor deles se tornasse mais pesado.
Dizem que o hábito torna as coisas mais fáceis, mas no caso deles, as coisas se tornavam cada dia mais difíceis. Não era raro que Soohyun recorresse ao álcool ou às pílulas para dormir e Jaemin, sentia que precisava recorrer a uma forma solitária de alívio com mais frequência. Por sorte era época de provas, então eles tinham a desculpa ideal para evitarem interações sociais e para estudar sempre acompanhados de Daon ou outros colegas. E assim o mês passou com relativa velocidade até que chegou o fatídico dia do encerramento do semestre.
Para comemorar o fim de mais um semestre, os alunos organizaram uma pequena reunião. Era para ser algo modesto, a intenção inicial era reunir alguns colegas para comer, conversar e espairecer. Mas sabe como são os jovens em período universitário, sempre em busca de diversão, ainda mais após um período de reclusão em que apenas comiam, dormiam e estudavam.
Soohyn não estava a fim de participar de nada disso, mas Jaemin o convenceu a ir alegando que não seria muito bom deixar Daon a sós com um bando de universitários bêbados.
O local escolhido foi um bar próximo ao campus, que já estavam acostumados a frequentar. Por conta da localização e do período propício, o bar estava lotado de jovens animados que riam e falavam quase tão alto quanto a música pop que não parava de tocar.
O clima no bar era de descontração, as bebidas não paravam de vir e as risadas eram cada vez mais altas. Jaemin e Soohyn, como de costume, sentavam lado a lado a fim de manter as aparências. Como era a vez de Jaemin dirigir, este recusava educadamente as bebidas. O mesmo não podia ser dito de Soohyun, que entornava um copo atrás do outro com entusiasmo.
“Você não acha que está exagerando?” Jaemin sussurrou junto ao ouvido de Soohyun.
“E desde quando você liga?”
“Não dou a mínima, só não vomite no meu carro.”
“Você sujou o meu carro da última vez, se eu vomitar, estaremos quites.”
Jaemin, que preferia comer vidro a admitir que sabia ao que Soohyun se referia, se manteve em silêncio e Soohyun que já estava com um leve rubor nas bochechas o encarou, e disse: “Mas não preciso me preocupar com nada, meu lindo namorado cuidará de mim.”
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Jaemin estava voltando do banheiro quando foi interceptado por Daon.
“Hyung… acho melhor você ir logo pra casa.”
“Não tenho pressa, mas aconteceu algo?”
“É o Soohyun-hyung, acho que ele já bebeu demais. É melhor levá-lo pra casa.”
Jaemin sentiu vontade de dizer que não se importava, que era só deixá-lo lá até que alguém o levasse e descartasse junto com o lixo, mas lembrou-se das circustâncias…
“Está certo, mas deixarei você em casa primeiro.”
“Não há necessidade, Joon dará carona a mim e aos outros, ele também não bebeu.”
Jaemin queria contestar Daon, mas sabia que não adiantaria nada, então se conformou em cumprir suas “obrigações.”
…
Soohyun cochilou profundamente durante todo o percurso e não dava sinais de que sairia do carro por livre e espontânea vontade.
“Anda logo encosto, levanta e vaza.”
Sem reação.
Depois de algumas tentativas frustradas, Jaemin o pegou e carregou pra dentro. Soohyun não estava necessariamente acordado o que dificultou um pouco as coisas. Jaemin não precisou perguntar qual era o código para destravar a porta, eles usavam a mesma combinação: A data de nascimento de Daon. Ele cambaleou um pouco enquanto arrastava um semi-consciente Soohyun, mas o trajeto era curto e logo ele acomodou o outro em seu quarto.
Jaemin iria somente deixá-lo ali e iria embora, mas ao vê-lo adormecido tão tranquilamente, ficou paralisado, sentou-se na beirada da cama e simplesmente não conseguia sair do lugar. Aquele rosto que parecia esculpido, aquele olhar pretensioso, aquela expressão inabalável, naquele momento, tudo isso se fora, só restava uma casca. Jaemin aos poucos foi chegando mais perto de Soohyun até que não pôde evitar tocar aquele rosto que parecia feito de pedra. Sobrancelhas, olhos, nariz, bochechas e lábios…eram quentes e macios como ele se lembrava. Soohyun era feito de carne, osso e sangue afinal. Enquanto suas mãos ainda repousavam sobre os lábios de Soohyun, Jaemin sentiu algo pressionar a sua mão. A expressão de Soohyun não havia mudado e ele respirava lenta e profundamente, mas sua mão segurava com firmeza o pulso de Jaemin.
Naquele momento o único som que quebrava o silêncio, vinha das batidas do coração de Jaemin, que insistia em disparar toda vez que o outro se aproximava demais, uma reação totalmente descabida que só podia significar que o órgão estava com defeito. E enquanto Jaemin tentava se acalmar e recuperar o controle da sua circulação sanguínea que mais uma vez mandava o sangue para lugares errados, a mão de Soohyun fez um movimento inesperado sobre a sua, quase como se fosse um afago.
Não houve qualquer outra reação, nenhuma palavra. Mas naquele instante Jaemin percebeu que não voltaria para casa.